Eduardo Kattah
Uma discussão envolvendo a prática, considerada comum, de tomar
remédios para reduzir a tensão na hora de fazer o exame de
motorista - e a qualificação dos profissionais que trabalham nas
auto-escolas - foi aberta em Belo Horizonte depois que Nadir Maria
de Oliveira, de 25 anos e asmática, entrou em coma após ingerir na
segunda-feira pela manhã, antes do teste, um remédio para
hipertensão, usado como calmante. O medicamento propranolol é
contra-indicado para pacientes com histórico asmático.
Até o final da tarde de ontem, ela permanecia no CTI do
Hospital Odilon Behrens. A família suspeita que o medicamento
tenha sido oferecido a ela pelo instrutor. De acordo com Miriam
Souza, diretora-técnica do Odilon Behrens, ela sofreu parada
cardiorrespiratória e chegou ao hospital com constrição pulmonar,
antes de entrar em coma. "É uma medicação que no caso de um
paciente asmático pode levar a um quadro grave mesmo", disse. Na
manhã de anteontem, a equipe médica retirou a sedação da paciente,
mas ela não apresentou nenhuma reação neurológica. "Há risco
iminente de morte", informou Miriam.
Nadir era aluna da Auto-Escola Motora, no bairro Floramar,
região norte da capital mineira. O proprietário, Anderson Jesus
Gomes, disse que a aluna estava sendo acompanhada por um instrutor
terceirizado. "Não sei se foi ele que ofereceu. Dentro do carro, a
gente não sabe o que acontece."
O propranolol não tem venda controlada, mas sua ingestão só
deve ser feita com orientação médica. "Os próprios alunos tomam,
eles conhecem todo tipo de calmante", afirmou Gomes. "Tanto para
fazer exame de direção como prova de vestibular. Isso aí é uma
coisa que não é escondida de ninguém."
O analista de informática José Procídio Carneiro, de 41 anos,
irmão de Nadir, disse que quando foi informado pensou que se
tratava de mais uma crise asmática da irmã. Para Carneiro, o
episódio que vitimou Nadir deve servir de alerta à população. "Sei
que é uma prática comum", afirmou.
A diretora-técnica do Odilon Behrens lembra que o episódio tem
a ver com a cultura da automedicação no Brasil. "Uso de medicação
para os exames, a gente sabe que as pessoas fazem. Isso é uma
coisa ruim na nossa população. A gente tem o hábito de se
automedicar mesmo." Mas a médica preferiu não afirmar que foi o
medicamento que causou as reações. "A asma pode ser um quadro
desencadeado pelo stress", disse.
Os sindicatos dos Centros de Formação dos Condutores (Sipro) e
dos Empregados de Auto-Escolas (Seame) de Minas contestam a
prática generalizada de medicação antes dos exames. Mas concordam
que é necessário um maior controle da qualidade das instituições e
dos profissionais que atuam no Estado.
TERROR
Em São Paulo, muitas auto-escolas contratam psicólogos para
acompanhar alunos com medo de dirigir. Em alguns casos, eles fazem
sessões em grupo antes das aulas práticas - em outros, o psicólogo
fica no carro junto com o instrutor. "O importante é não forçar o
aluno a entrar no carro, porque aí ele pode ficar com mais medo
ainda, sentir pavor. Há pessoas que chegam a desmaiar. Quem não é
preparado para lidar com isso, pensa que a pessoa só precisa se
esforçar mais, e não é assim", explica Paulo Sérgio Alves,
consultor de treinamento da escola Arte de Guiar, voltada
especialmente para os que têm algum problema com a direção.
Os efeitos do medicamento
O propranolol age nos receptores bioquímicos das células do
coração, dos vasos sanguíneos e dos brônquios. Os receptores são
pontos que regulam ou liberam a ação de substâncias no organismo,
como hormônios e os próprios remédios.
O medicamento tem, portanto, vários efeitos. Entre eles, o de
diminuir a pressão e os batimentos cardíacos. O coma da cliente da
auto-escola pode ter ocorrido pela associação da ação do remédio
nos brônquios com o fato de ela sofrer de asma (inflamação crônica
das vias aéreas que provoca dificuldade respiratória).
"O propranolol diminui o calibre dos
vasos dos brônquios. Se o paciente tem asma, há risco de faltar
oxigênio para o corpo", explica Ronaldo Rosa, presidente do
departamento de Cardiogeriatria da Sociedade Brasileira de
Cardiologia.
Já o efeito
relaxante do remédio é causado por outra ação, a de diminuir a
descarga de adrenalina no organismo.