Cilene Pereira, Greice
Rodrigues e Lena Castellón |
Dinheiro de menos, trabalho de mais. Competição excessiva,
relaxamento zero. Muita balada, pouca caminhada. Fast-food e cigarro
todos os dias, verduras, só de vez em quando. Desse jeito, não há
coração que agüente. Nem mesmo um jovem coração. Para preocupação dos
médicos, é cada vez mais freqüente a ocorrência de infartos em
indivíduos com menos de 40 anos. Esse fenômeno – mais um reflexo do
estilo de vida atual – pode ser observado diariamente nos serviços de
emergência. No Hospital Albert Einstein, em São Paulo, quase 9% dos
infartados atendidos no primeiro semestre tinham entre 30 e 40 anos. Há
dez anos, esse índice era de 6,5%. A taxa registrada atualmente no
Albert Einstein é semelhante à obtida no Instituto Dante Pazzanese,
também na capital paulista. “Cerca de 11% dos infartos ocorrem em
pessoas abaixo dos 40 anos”, afirma o cardiologista Marcelo Sampaio,
chefe do Laboratório de Biologia Molecular da instituição. “Há sete
anos, recebia um paciente mais jovem a cada quatro meses. Hoje, é um a
cada 15 dias”, conta. São pessoas como a dona-de-casa Charlene
Nascimento, 27 anos. Dois dias antes de completar 25 anos, infartou.
“Tinha parado de fumar havia quatro anos. Mas não me cuidava. Minha
dieta era pouco saudável”, lembra. Hoje, ela está sob acompanhamento
médico e tenta perder peso. “Vivo em alerta com o meu coração”, diz.
Pesquisa – No Dante Pazzanese, a repetição de
histórias como a de Charlene chamou tanta atenção que virou motivo de
investigação científica. Durante dois
anos, o cardiologista Sampaio avaliou 249 infartados com idade entre 17
e 40
anos. A proposta do estudo – apresentado com destaque há dois meses no
Congresso Mundial de Análises Clínicas e Patologia Molecular, realizado
em Orlando, nos EUA – era descobrir os motivos dos infartos. Na maioria
dos casos,
os fatores de risco atuantes foram os mesmos que colocam em perigo
corações mais maduros. Ou seja, propensão genética, obesidade,
sedentarismo, tabagismo, hipertensão, colesterol elevado. Não poderia
ser diferente. Dados preliminares
da pesquisa Projeto Corações do Brasil, coordenada pela Sociedade
Brasileira
de Cardiologia/Funcor, revelam, por exemplo, que o maior número de
fumantes
se encontra na faixa etária dos 35 aos 44 anos. Com o colesterol, o
retrato também
é desanimador. De acordo com o trabalho, 8% das pessoas até 24 anos
apresentam níveis elevados dessa substância. Foi o acúmulo dessa gordura
que levou ao hospital a secretária Cintia Bontempi, 36 anos. Mesmo
tentando controlar as taxas
de colesterol, seu coração não resistiu e, aos 30 anos, ela sofreu um
infarto. “Hoje, tento caminhar pelo menos três vezes por semana e evito
alimentos ricos em colesterol”, afirma.
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Extremos: Loureiro (à
esq.) exagerou
na carga de trabalho. Aos 17 anos, infartou. Já Santos se previne
cuidando da alimentação e da boa forma física |
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No entanto, outros agentes pesam ainda mais negativamente para os
mais jovens. O primeiro é o stress. Em geral, os indivíduos com menos de
40 anos estão disputando cotovelada a cotovelada um lugar no mercado de
trabalho. Por isso, estão submetidos a uma imensa pressão. A
conseqüência é a ocorrência de descargas hormonais que podem desgastar o
coração. Essa é uma das possíveis causas do infarto sofrido por Alex
Loureiro quando tinha 17 anos. “Exagerei no trabalho durante um ano. Meu
coração não agüentou”, acredita ele, hoje com 26 anos.
Há ainda o problema da depressão. A doença, também freqüente nessa
faixa etária, já é considerada um fator de risco cardíaco. As razões
fisiológicas que explicam a relação entre as duas enfermidades não estão
esclarecidas, mas dados estatísticos confirmam a associação. “A chance
de ter uma doença cardiovascular aumenta 40% com a depressão. E o risco
de morte, 60%”, afirma Andrei Sposito, diretor clínico do Instituto do
Coração (InCor) de Brasília.
Ecstasy – As drogas são outro inimigo. “O consumo de
entorpecentes é um grande causador de infarto”, assegura Raul Dias dos
Santos, do InCor de São Paulo. De fato, a cocaína, por exemplo, exerce
um efeito perverso. “Ela causa um estreitamento agudo das coronárias, o
que pode prejudicar a irrigação sangüínea da área e levar a um infarto”,
explica o cardiologista Almir Ferraz, do Dante Pazzanese. O ecstasy pode
provocar o mesmo desastre. “Além disso, ele produz modificações no
processo de agregação plaquetária que predispõem à formação de
coágulos”, diz o cardiologista Nabil Ghorayeb, chefe de seção clínica do
mesmo instituto.
Até pouco tempo atrás, acreditava-se que um infarto em jovens fosse
mais fulminante. No entanto, essa crença não se confirmou. O tratamento
dedicado a
essa população é o mesmo oferecido aos que são vítimas do problema mais
tarde, que ainda formam a maioria dos casos (a idade média de ocorrência
desse evento gira em torno de 55 anos). Dependendo da gravidade, pode-se
desobstruir
as artérias por meio de uma angioplastia (um cateter inserido nos vasos
sangüíneos promove o desentupimento) ou ser necessária uma cirurgia para
implantar ponte
de safena, por exemplo.
Porém, existem muitas maneiras de desmontar um quadro que pode vir a
se tornar ameaçador. Por isso, vários especialistas defendem o
acompanhamento da saúde cardíaca desde a infância. “A prevenção deve
começar mais cedo do que se imagina”, diz Marcos Knobel, do Hospital
Albert Einstein. “Não importa a idade cronológica. O que interessa é ter
artérias limpas”, concorda Antônio Simão, presidente da Sociedade
Brasileira de Cardiologia. Segundo o cardiologista Antonio Carlos Till,
diretor da Vita Check Up Center, clínica especializada em check-up, do
Rio de Janeiro, toda criança deveria fazer uma medição dos níveis de
colesterol e de açúcar no sangue até os 12 anos.
Pressão – Em relação à hipertensão, o cuidado
precisa ser o mesmo, na opinião de Andréa Brandão, professora da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro e integrante da Sociedade
Brasileira de Hipertensão. “Trata-se de um problema que pode ocorrer
desde a infância. Dessa forma, o pediatra deveria conferir anualmente a
pressão arterial da criança a partir dos três anos”, afirma. A médica
coordena um programa de prevenção de doenças cardiovasculares no Rio
iniciado na década de 80 e responsável pelo acompanhamento de mais de
sete mil crianças. O analista de sistemas Aldemar dos Santos, 30 anos,
participa do projeto desde o princípio. Obeso quando criança, filho de
pai hipertenso e de mãe com colesterol alto e neto de avô vítima fatal
de um infarto, Santos faz a lição de casa. “Incluí verduras, frutas e
legumes na dieta, não fumo e faço exercícios físicos”, conta.
Só um acompanhamento rigoroso, entretanto, não basta. É preciso saber
lidar com as circunstâncias externas ao organismo. Entenda-se aqui
aprender a driblar o stress, ameaça séria ao coração. Uma das maneiras é
rever as expectativas e os desejos em relação à própria vida. “Hoje, há
uma busca desenfreada pelo sucesso financeiro e social. O prazer de
viver está comprometido”, considera o cardiologista Juarez Ortiz,
diretor da clínica Omni Coração, Centro de Cardiologia Não-Invasiva, em
São Paulo. Buscar um pouco mais a alegria e repensar valores, portanto,
são itens obrigatórios na lista de prevenção.