Atero News N° 4
Mensagem do Presidente
Prezados Colegas,
Na terça-feira, dia 26/05/2020, tivemos a segunda reunião do DA em conjunto com os
Grupos Científicos. Dessa vez, com o grupo do Prof. Dr. Raul Dias Santos do Incor,
contamos com a participação do Prof. Peter Libby, que apresentou uma excelente aula
e reflexão sobre o processo inflamatório no Covid-19 e as doenças cardiovasculares.
Essa aula estará em breve em nosso site, para nossos sócios e demais colegas.
Boa semana a todos.
Prof. Dr. Antonio Carlos Palandri Chagas “Chaguinhas”
Presidente do DA 2020/21
Destaque da Diretoria
Inibidores do Sistema Renina-Angiotensina-Aldosterona e Covid-19
Autores: João Pedro Pereira Niman1, Viviane Zorzanelli Rocha2, Fabiana Hanna Rached3 e Carlos Vicente Serrano Jr.3
1. Residente do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo;
2. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Unidade Clínica de Lípides;
3. Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo: Unidade Clínica de Aterosclerose;
O mecanismo de entrada do SARS-CoV-2 nas células humanas a partir de sua ligação à enzima conversora de angiotensina 2 (ECA-2), presente nas membranas celulares, levou a questionamentos sobre a possibilidade dos usuários de inibidores da ECA (IECA) ou bloqueadores do receptor de angiotensina (BRA) apresentarem maior risco de infecção e/ou evolução para formas mais graves da Covid-19. De fato, sugere-se que IECA e BRA possam aumentar a expressão de ECA-2, o que poderia acentuar a predisposição à infecção ou às suas formas mais graves.
Por outro lado, fisiologicamente a ECA-2 desempenha importante papel regulador do Sistema renina angiotensina aldosterona (SRAA) ¹ e contrabalança seus efeitos deletérios, metabolizando a angiotensina II (vasoconstrictor), com geração de angiotensina (1-7) (vasodilatador). Durante a infecção, existe perda da atividade protetora da ECA-2 contra os efeitos da ativação do SRAA (após a endocitose do vírus, ocorre aumento da atividade de ADAM17 que cliva a ECA-2 da membrana celular)².
Diante da especulação de que o uso de IECA ou BRA poderia ser deletério a pacientes com COVID-19, diversos estudos foram realizados em busca de evidências que refutassem ou confirmassem tal suspeita.
A edição do New England Journal of Medicine, publicada em 1º de Maio de 2020, aborda três estudos que buscaram evidências acerca de possíveis relações maléficas do uso dessas drogas com a doença causada pelo novo Coronavírus3. Apesar das limitações metodológicas dos estudos, todos observacionais, e sujeitos, assim, à interferência de fatores confundidores, sua análise mostra-se de grande valia, dada a relevância dessas classes de drogas no tratamento e modificação de sobrevida nas doenças cardiovasculares.
“Renin-Angiotensin-Aldosterone System Blockers and the Risk of Covid-19”, de Mancia et al.4, estudo de caso-controle, comparou 6.272 casos confirmados de Covid-19 entre fevereiro e março de 2020 com 30.759 controles, na região de Lombardia, Itália. Não se encontrou associação estatisticamente significativa entre o uso de IECA ou BRA e o risco de COVID-19, apesar da maior frequência do uso de tais medicações no grupo de casos (fato que possivelmente reflete a maior prevalência de doença cardiovascular nesse grupo).
Já o trabalho de Reynolds et al.5, baseado em dados eletrônicos do New York University Langone Health, analisou a associação entre o uso de drogas anti-hipertensivas e a probabilidade de positivação do teste para Covid-19, assim como da evolução para formas graves da doença. Incluiu 12.594 pacientes testados entre março e abril de 2020, e comparou resultados dos que usaram ou não tais medicações (em geral e no grupo de hipertensos), após uso do propensity-score matching de cada classe medicamentosa, e não encontrou associações estatisticamente significativas.
Abordando de maneira mais detalhada, o trabalho “Cardiovascular Disease, Drug Therapy and Mortality in Covid-19”, de Mehra et al.6, analisou dados de 169 hospitais de 11 países, na Europa, Ásia e América do Norte, abordando 8.910 pacientes com swab nasal/orofaríngeo positivo, admitidos entre dezembro de 2019 a março de 2020, com evolução com alta ou óbito. Buscou-se avaliar a associação da presença de doenças cardiovasculares e do uso de terapias com a evolução a óbito, ajustando para fatores confundidores demográficos e comorbidades. Foi observada uma associação independente com morte em pacientes maiores de 65 anos (OR 1,93), tabagistas atuais (OR 1,79), portadores de DPOC (OR 2,96) e doenças cardiovasculares (doença arterial coronariana (OR 2,7), arritmias (OR 1,95) e insuficiência cardíaca (OR 2,48). Além disso, houve uma menor associação com morte em mulheres (OR 0,79), usuários de IECA e estatina (OR 0,33 e 0,35, respectivamente) – figura central do artigo. Importante ressaltar que a análise de dados se deu a partir de regressão logística multivariável e que os intervalos de confiança não foram ajustados para múltiplos testes, não sendo, portanto possível usar tais dados para inferir efeito. Porém, é interessante destacar uma análise adicional que se refere à avaliação da possível interferência de confundidores não mensurados: estimou-se que um fator hipotético não observado, a uma taxa de 10% na população do estudo, teria que apresentar um OR de no mínimo 10 para fazer o IC 95% cruzar o valor do 1 (no caso do uso de IECA ou estatina).
Em resumo, apesar das limitações, os resultados desses 3 estudos diferentes não apresentam evidência a favor da hipótese de que o uso de IECA e BRA esteja associado ao risco de infecção por SARS-CoV-2, risco de formas graves de COVID-19 entre os infectados, ou risco de morte hospitalar entre aqueles com teste positivo3.
Figura central do artigo. Preditores independentes de morte intra-hospitalar a partir da análise de regressão logística. Fonte: https://www.nejm.org/doi/full/10.1056/NEJMoa2007621.
Referência
1. Driggin E, Madhavan MV, Bikdeli B, Chuich T, Laracy J, Biondi-Zoccai G et al. Cardiovascular Considerations for Patients, Health Care Workers, and Health Systems During the COVID-19 Pandemic, Journal of the American College of Cardiology, Volume 75, edição 18, 2020. Páginas 2352-2371, ISSN 0735-1097. DOI: 10.1016/j.jacc.2020.03.031, acesso em: 11 de maio de 2020;
2. Wang K, Gheblawi M, Oudit GY. Angiotensin Converting Enzyme 2: A Double-Edged Sword. Circulation 2020. DOI: 10.1161/CIRCULATIONAHA.120.047049, acesso em: 11 de maio de 2020;
3. Jarcho JA, Ingelfinger JR, Hamel MB, D’Agostino RB, Harrington DP. Inhibitors of the Renin–Angiotensin–Aldosterone System and Covid-19. N Engl J Med 2020. DOI: 10.1056/NEJMe2012924, acesso em: 05 de maio de 2020;
4. Mancia G, Rea F, Ludergnani M, Apolone G, Corrao G. Renin–Angiotensin–Aldosterone System Blockers and the Risk of Covid-19N Engl J Med 2020. DOI: 10.1056/NEJMoa2006923, acesso em: 05 de maio de 2020;
5. Reynolds HR, Adhikari S, Pulgarin C, Troxel AB, Iturrate E, Johnson SB et al. Renin–Angiotensin–Aldosterone System Inhibitors and Risk of Covid-19. N Engl J Med 2020. DOI: 10.1056/NEJMoa2008975, acesso em: 05 de maio de 2020;
6. Mehra MR, Desai SS, Kuv S, Henry TD, Patel AN. Cardiovascular Disease, Drug Therapy, and Mortality in Covid-19. N Engl J Med 2020. DOI: 10.1056/NEJMoa2007621, acesso em: 05 de maio de 2020.
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SBC/DA - Departamento de Aterosclerose da Sociedade Brasileira de Cardiologia